A.Moreira
site em reconstrução
Moana
Jul17

Já que em Ratattoile encerramos citando Moana, resolvi pegar o embalo e escrever sobre essa animação. Geralmente, para escrever gosto de assistir o filme muito mais que uma única vez, mas, dessa vez vou arriscar puxar os registros da memória lá do início do ano, de janeiro, quando o assisti no cinema. Portanto, corro o risco de escorregar na descrição do filme... Mas, vamos lá!
Moana começa com uma avó contadora de história... Uma griô, uma bruxa, uma curandeira, uma doida, como a própria avó se define. Uma doida!? Sim! Uma avó-maluca, completamente fora da caixinha da pequena ilha, onde boa parte do filme se passa.
Toda sociedade tem seus renegados, sua margem... Os afastados (mesmo que morem na calçada da esquina) e deslegitimados. No caso do filme, a avó é uma 'doida' que participa da comunidade pelas bordas, mas que acessa as crianças da ilha nessa função de contadora de histórias. Algo há de interessante nesse acessar as crianças, pois, assim como 'nos doidos ou nas bruxas’, historicamente, as ‘verdades’ das crianças também são, de certa forma, negligenciadas. Não é a toa que a expressão ‘coisa de criança’ ou ‘coisa de menino’, às vezes, significa algo como ‘maluquice’ ou ‘mentira’, não é mesmo!?
Mas, foi justamente a tal vovó 'doida' que viu algo além (como também costumam fazer boa parte dos renegados, por sinal) ou algo mais profundo nas crianças e, especificamente, na sua neta, Moana. Esse 'algo' foi uma espécie de impulso desbravador ou, simplesmente, desejo implacável. Ela viu que Moana tinha uma relação tão profunda com o mar que o próprio mar passou a ter uma relação profunda com ela, ou seria o contrário!? Não importa! Pois, nesse caso, a ordem dos fatores não altera o resultado e o relevante mesmo é essa relação profunda que envolve: cuidar, ensinar, aprender, resguardar, se encantar, enfim, uma parceria franca e honesta entre nossa heroína e o mar! Esse mar, contudo e segundo ‘sua gente’, era muito perigoso após os corais. Mas, é claro que Moana quis ir além, muito além dos corais. Afinal de contas, é daí que começa toda a grande aventura.
Para seguir além mar, nossa heroína enfrentou inúmeros ‘nãos’ que quem já foi criança sabe bem do que se trata. Mas, para a sorte, também haviam 'sins', poucos de fato, porém, maiores e que impulsionaram Moana a seguir em sua jornada. Um único sim de sua avó, mas que possuía um tamanho oceânico, vasto e profundo como o alto-mar. Aqui, faço uma pausa no fio dessa descrição para enfatizar a figura da avó Tala, sua importância na trama e abro, também, destaque para o modo como essa avó ensinava. Não é novidade que o exemplo pesa muitas vezes mais do que o discurso na educação das crianças, certo!? Se transpormos essa argumentação para o filme, podemos observar que Tala ensina sua neta não apenas pelos exemplos, mas por exemplos que chamo de esteticamente mais refinados (termo próprio). Mas o que é isso? Exemplos cujo o refinamento da forma ou a dimensão estética é mais sutil, adquirindo uma dimensão mais artística.
Na verdade, minto, Moana teve também um outro 'sim' do próprio mar, observamos isso pela forma como o mar é personificado no filme. Isso me fez pensar nas referências de algumas religiões africanas e indígenas que veem na natureza uma 'força maior', mais profunda; além de sair de uma rota 'urbanizada' das heroínas ou das princesas. No filme, o mar é uma espécie de guia que literalmente abraça, conversa e acolhe Moana e, a essa altura do texto, acho interessante enfatizar o desenho fabuloso desta animação. Já outro 'sim', nessa jornada, veio da sua avó, como já mencionamos. que dizia pra sua neta que um dia iria se tornar araia gigante... Uma grande e azulada araia das águas salgadas. E um sim, o mais importante talvez, veio dela mesma, da Moana com a Moana... Um sim que foi mais do que palavras e virou busca, atitude.
AsSim, Moana embarca rumo mar adentro, com toda uma nobre e silenciosa missão silenciosa uma pedra... Uma pedrinha preciosa que foi roubada do que vou chamar aqui de Mãe Natureza e que gerou centenas de infortúnios à comunidade de Moana, com o passar do tempo. Mas, a própria comunidade temia tanto o mar adentro, devido a traumas e caldos do destino, que não se deu conta que os infortúnios vinham desse tal roubo e desaprovavam qualquer atitude de se aventurar nessas águas salgadas.
Mas quem roubou essa pedra da Mãe Natureza? Um semideus todo tatuadão! Um ‘cara posudo’ que virava águia e outras coisas mais com o poder tá tal pedrinha (aqui devo confessar que a memória não vai alcançar toda a trama)... Mawe, contudo, perdeu essa pedra para um grande monstro que habitava as águas profundas.
Mas, o que + me chamou a atenção nessa personagem (o semideus) foram exatamente as suas tatuagens! Pois, de forma encantadora e ao mesmo tempo perspicaz, os criadores de Moana abordaram um tema ainda tabu em diversas culturas e lares: a tatuagem.
Nos versos de muitos poetas e artistas a tatuagem já incorporou diversas metáforas que perpassam sobretudo, ao tema dos amantes. Mas, na vida ordinária ou cotidiana, sabemos que nem sempre são com bons olhos que as pessoas tatuadas (ou a cultura da tatuagem) são vistas.
Acredito que justamente por trabalhar o tema com leveza e humor, é que nosso filme contribui para uma ruptura desses preconceitos há tempos arraigados, de uma prática tão remota e presente em diversos contextos culturais/religiosos. Bem, é justamente por essa possibilidade de debater temas profundos com uma sutileza indescritível que eu sou apaixonada pelas animações. Claro que a dimensão estética também é fundamental não apenas nas tatuagens mas para pensarmos as animações propriamente ditas e, convenhamos, que desde que a Disney comprou a Pixar ouve um salto evolutivo quântico nesse quesito estético e nas temáticas dos filmes da Disney World.
Mas, vamos seguir... Como Moana toca nesse assunto da tatuagem afinal!? Bem, inicialmente podemos até pensar que de forma pejorativa, porque, afinal de contas, o semideus tatuadão é o cara que desequilibra todo o ecossistema da aldeia da nossa heroína, é o ladrão da Mãe Natureza. Contudo e todavia, pouco a pouco nós, reles mortais e público, vamos sendo conquistados por esse tatuadão descolado e entendendo um pouco mais afundo o significado das suas atitudes por meio das suas tatuagens, que por sinal contam literalmente a história de vida dele e revelam também suas emoções e sentimentos (como insegurança ou alegria).
O tom mágico fica justamente na movimentação que as tatuagens fazem ao longo do seu corpo, revelando-o de forma mais explicita. E boooom... ter tatuagem, nesse contexto, é algo que no mínimo querer coragem para se mostrar talvez mais cru ao outro, ao mundo... Porque as tatuagens literalmente o entregam! É como se fosse o rabo do cachorro, sabe!? Que balança quando tá feliz ou se encolhe com o medo. As tatoos de Mawe expõem seus sentimentos e emoções abertamente. Revelam seu passado, sua tristeza por ter perdido a tal pedra mágica e seus poderes de transformação, sua necessidade de ser aceito, de agradar... E quem nunca passou por isso?
Transpondo essa reflexão pra ‘vida real’ é claro que podemos pensar que as tatuagens tanto podem revelar algo sobre alguém, quanto esconder... Sem dúvidas! Mas no filme elas revelam e emocionam... A todos!? Não sei... Mas a mim sim, e muito! Por quê? Booom... Porque fiquei aliviada em ver esse tema sendo tratado com tanta delicadeza e respeito... E vejo fagulhas desse respeito reverberando na mente das crianças que assistem esse filme e isso, creio, transforma o um mundo... Sina de educadora pensar assim!? Acho que sim! Mas, acho lindo!
E já que estamos falando dessas coisas lindas, vamos então resgatar um dos momentos mais belos ou ápice do filme... Aquele momento em que tanto Moana quanto seu amigo semideus estão desacreditadísssimos da grande missão, quase desistindo... Aquele momento do campeonato que Moana já levou muitos supapos, já sentiu o peso e todas as dúvidas do mundo por ter escutado seu coração, sua vó maluca (já então falecida, pra piorar as coisas) e o mar!... Lá estão nossos heróis incrivelmente acabados em cima de uma embarcação que mal se mantem no lado certo. Lá está nossa heroina nas mãos do monstro, do medo, do demo... Derrotados!?!?!?... Quase! É aí que surgem os chamados milagres... Alguém aqui se identifica?
Sim... Naquele momento do nã nã não não nãaaaaaao e nãaaaaaaaao desanimador da vida... Vem um sinal! Moana ganha na megacena? Claro que não! Um sinal pra variar sutil, sigelo, elegante... Que só alcança os corações dos que se arriscam a se arriscar mesmo! Após nadar no fogo, nossos heróis avistam no mar uma ARAIA azulada cintilante... Uma avó-araia que beira as águas para avisar ao coração atento de Moana que a luta não acabou... E mais que isso, para acalentar e dar folego para que as batalhas (aquelas do dia a dia, sabe!?!? Do buzão lotado, do engarrafamento, do não sei se vou conseguir pagar essa conta, ou ainda aquelas do coração... Que dizem sobre alguém a quem fazer as pazes, a quem olhar nos olhos... ou abraçar sem mais) enfim essas ‘batalhas’ que no filme diz respeito a devolver a tal pedrinha preciosa ao seu local! Bom, daí em diante o jogo muda, Moana e Mawe heróis se abastecem com aquele reluzente sinal e, conseguem, finalmente devolver a pedra 'das grandes emoções e turbulências', para o coração da grande montanha. O sangue volta a circular e a pulsação retorna com maestria e um mundo mais verde, com mais oxigênio, plantas, seres...
Existe uma beleza metafórica estonteante nessa parte mais final do filme, que merece outros escritos e reflexões. Por hora, paro para respirar por aqui e encerro não com uma frase de incentivo ou efeito, mas com uma imagem para todos de coração e alma atenta, de caçador:




